“Largar os estudos cedo é uma estupidez”

“Largar os estudos cedo é uma estupidez”

2019-05-09

Defesa Rui Correia, do Paços de Ferreira, é licenciado em Educação Física e Desporto Escolar.

Começou no futebol profissional já tarde, o que lhe permitiu apostar nos estudos e tirar uma licenciatura.

Falta-lhe um ano para terminar o mestrado e incentiva os colegas a estudarem e zelarem pelo futuro pós-futebol.

Licenciaste-te em Educação Física e Desporto Escolar. Escolheste esta área porque o desporto sempre foi uma paixão?
Sim, sempre me vi no âmbito do desporto. Quando era miúdo pratiquei vários desportos, futebol, ténis e natação, e quando terminei o 12.º ano não sabia bem para o que me haveria de virar. Acho que até é um bocado cedo para sabermos aquilo que irá ser o nosso futuro e temos de tomar uma decisão aos 18 anos sem termos uma grande perceção daquilo que vai ser a nossa vida.
Por acaso até entrei para a faculdade para tirar Ciências Farmacêuticas, mas logo no primeiro semestre percebi que não era aquilo que queria e no ano seguinte inscrevi-me no curso de Educação Física e Desporto Escolar. Fiz a licenciatura de três anos, apanhei Bolonha, com mais dois anos de opção de mestrado em ensino. Mal entreguei a tese da licenciatura, inscrevi-me para o mestrado no ano seguinte. Fiz todas as cadeiras do primeiro ano, mas foi nessa altura que o Portimonense me foi buscar ao Fabril e assinei o meu primeiro contrato profissional. Até lá consegui conciliar tudo bem: entrava às oito da manhã na faculdade e ao final do dia treinava. Faltava-me um ano para terminar o mestrado, que seria o estágio final, tinha de ser professor de uma turma numa escola.

Já não conseguiste conciliar com o futebol profissional?
Na altura, o treinador do Portimonense era o Lázaro Oliveira e expliquei-lhe que estava a terminar o curso. Ele não se opôs, disse-me para terminar, mas deu-me a entender que ia chegar cansado por estar a dar aulas ao sol, por exemplo, e como era o meu primeiro ano de profissional achei que seria melhor parar ali um bocadinho e apostar tudo no futebol, no sonho da carreira profissional. Fui à faculdade explicar a minha situação e disseram-me que podia congelar o mestrado e que mais tarde podia terminar, sem qualquer tipo de problema.

Qual era a faculdade?
Era a Lusófona. No Campo Grande.

Estudavas em Lisboa, treinavas no Barreiro…. Deve ter sido cansativo.
Exatamente. No meu último ano, já com a licenciatura, tinha aulas do mestrado de manhã, da parte da tarde dava aulas numa escola em Camarate e ao fim do dia treinava. Só chegava a casa por volta da meia-noite. Mas valeu o esforço. E tive a sorte de ter começado tarde como profissional de futebol, só aos 22 anos. Vejo como um lado positivo porque consegui terminar a licenciatura sem qualquer tipo de pressão. Já não tinha esperança de ser profissional, jogava por diversão, sempre a querer fazer o melhor, claro, mas nunca tive empresários, fiz a formação no Seixal, um clube mediano, portanto não tinha grandes ambições.
Depois comecei a subir, comecei a jogar na Distrital, no Zambujalense, depois fui para o Amora, Sesimbra, terceira divisão nacional, depois Fabril. Fui fazendo o meu curso, tranquilo, e as coisas correram bem. Assim não tive de gerir o horário de outra forma para comparecer aos treinos se fosse profissional. Se calhar até foi bom ter começado mais tarde e hoje ter uma mais-valia para o meu futuro por estar formado numa área de que gosto.

Faltam medidas que apoiem a conciliação dos estudos com a profissão de futebolista?
O tempo existe, mas o jogador de futebol se calhar também se acomoda um bocadinho ao estilo de vida. A verdade é que também necessita de descansar, mas há sempre a possibilidade de conciliar. E acho que também há uma mente aberta de quem está à frente dos clubes porque apoiam quem estuda, até para cursos de treinador. Nesse aspeto acho que está muito melhor.

Sentes que és visto pelos colegas de equipa como um exemplo a seguir?
Quando estava na distrital não senti tanto isso, porque muitos dos meus colegas estudavam, mas quando cheguei a profissional, ao Portimonense, sempre que surgia o tema de ser licenciado havia colegas que me diziam que nem o 12.º ano tinham e ficavam um bocado surpresos por ter uma licenciatura.

E sentias alguma admiração por parte dos teus colegas de faculdade por seres jogador?
Uma vez que era um curso de desporto, havia uns que jogavam basquetebol, outros jogavam futebol, outros faziam ginástica, uns até eram internacionais no atletismo, então era normal. Agora tenho professores e ex-colegas que me mandam mensagens a pedir camisolas, para aparecer lá na faculdade, e por saberem da minha situação até me dizem para regressar e terminar o mestrado. Sinto esse apoio da parte de alguns professores.

Aconselhas os colegas, principalmente os mais novos, a não abandonarem os estudos?
Sem dúvida. Às vezes levam-me a algumas palestras em escolas, por saberem que tenho um curso, e o meu pensamento sempre foi esse. Quando começamos a jogar futebol desde muito cedo, todos temos o sonho de sermos profissionais e chegar a um grande, mas não dá para todos. A rede começa a ficar cada vez mais curta e cada vez vão desistindo mais. Como no meu caso: o sonho começou a desvanecer-se, aos 18 anos jogava na Distrital, sentia que estava longe e que o meu futuro passava por estudar. É essa a mensagem que muitas vezes passo. Temos de fazer aquilo de que gostamos, seguir os sonhos, mas foquei-me naquilo que, naquela altura, pensava que ia ser o meu futuro.

Sabes se há mais jogadores do Paços de Ferreira a estudar?
Sei que tenho um ou dois colegas a tirar o curso de treinador, mas acho que neste momento nenhum jogador estuda.

Abandonar os estudos precocemente é uma das maiores “pragas” para quem quer ser jogador profissional?
Tive colegas na faculdade que fizeram a formação no Benfica e no Sporting e, no entanto, não correu bem quando chegaram a seniores e alguns já nem jogam. Se calhar descuraram um bocadinho os estudos porque o sonho parece que está ali mesmo à frente deles. Eu, como estava no lado do “pobrezinho”, tive de trabalhar e treinar, mas foquei-me mais nos estudos. Pegando no exemplo da equipa de juniores do Benfica: uns poderão ser chamados para a equipa A, outros para a B, outros para os sub-23, mas há ali meia-dúzia que não vão ter lugar no Benfica e vão ter de procurar outra solução. É difícil dizer-se isto a um jovem, mas é a realidade e não há espaço para todos. Por isso acho que largar os estudos cedo é uma estupidez.

Um jogador com formação académica pode ser melhor em campo?
Se calhar ajuda em termos de controlo emocional e de gestão financeira, mais a esse nível. Dentro do campo acho que não é por ter estudado que vou pensar ou executar mais rápido do que o outro, isso vem das características de cada um.
No meu caso, tive Psicologia Desportiva e falou-se da ansiedade, do pré-jogo, algumas coisas que até utilizo, mas não é isso que faz de mim melhor jogador.

Qual é a tua opinião sobre a atuação do Sindicato no futebol português?
Acho que estão cada vez mais próximos de nós. Ajudam os jogadores em qualquer tipo de situação, os questionários que nos têm feito são importantes, como o último que fizeram, há coisa de um mês, sobre como aplicamos o dinheiro. Têm estado presentes. Até nisto, da própria escola, como nesta entrevista, incentivam-nos para o nosso futuro e fazem com que tenhamos pensamentos além do futebol, que é muito bom para nós.
Há tempos liguei ao Anselmo para saber se tinham alguma parceria com alguma faculdade para terminar o mestrado e vocês ajudam-nos naquilo que for preciso, por isso acho que são fundamentais e parte integrante do futebol português.


Perfil
Nome: Rui Jorge Farto Correia
Data de nascimento: 23 de agosto de 1990
Posição: Defesa
Percurso como jogador: Seixal (formação), Zambujalense, Amora, Sesimbra, Fabril do Barreiro, Portimonense, Nacional da Madeira e Paços de Ferreira.