ENTREVISTAS

"Deixar de estudar é desperdiçar o futuro"
Tarantini
Tarantini, 29 anos, licenciado em Ciências do Desporto e Educação Física conta como conciliou os estudos com o futebol profissional.
Foi difícil conciliar os estudos com o futebol ao mais alto nível?
Não é impossível mas é necessário muito empenho e vontade. Neste processo tive a sorte de estar rodeado de pessoas certas, principalmente dos treinadores João Cavaleiro, Fernando Pires e João Salcedas que deixavam-me faltar aos treinos sem que isso condicionasse as suas opções de escolha. Relembro também os meus dias de folga em que tinha de acordar bem cedo para ir para a faculdade ao contrário dos restantes colegas de equipa que podiam ir a casa ver a família ou dormir até mais tarde. Foi um sério compromisso.
Sentiu-se sempre apoiado pela família e pelos clubes por onde passou para concluir os estudos?
Sempre, de ambos lados. Os meus pais foram, sem dúvida, os pilares da minha construção como homem, sempre me incentivaram a concluir uma formação académica. Durante os cinco anos da licenciatura o Sporting Clube da Covilhã nunca colocou qualquer entrave à realização do meu percurso académico.
Na sua opinião, faltam adoptar medidas que facilitem a conciliação do estudo com a profissão de futebolista profissional?
Do ponto de vista burocrático é uma situação muito complicada, mas considero que a maior medida deve vir do próprio profissional. A vontade de querer atingir determinados objectivos de vida deve superar o comodismo que esta vida muitas vezes nos proporciona. Somos um grupo de pessoas que durante a semana temos algum tempo livre e acho que o devemos ocupar com utilidade, sem prejudicar obviamente a profissão. Deste modo, não acredito que haja algum treinador ou responsável directivo que não seja sensível ao facto de um jogador ter que faltar a um ou outro treino porque necessita. A imagem dos grandes jogadores nacionais e internacionais que apresentam uma boa estabilidade financeira que lhes permite encarar o futuro com tranquilidade não é a realidade do nosso futebol (tirando uma percentagem de 50 por cento dos plantéis de três ou quatro equipas em Portugal o que poderá representar cerca de 50 jogadores do futebol profissional). Os restantes têm de estar atentos pois o futebol é uma passagem importantíssima, mas não decisiva nas nossas vidas.
Porquê a opção pelo curso de Ciências do Desporto e Educação Física?
Porque o Desporto sempre foi a paixão de uma vida. Desde muito novo que me identificava com os profissionais do Desporto, no início mais ao nível do ensino e mais tarde ao nível da gestão.
O SJPF está a criar uma estrutura de formação online que combate, em parte, a dificuldade provocada pela mobilidade (mudança de clube ou até de país) dos atletas. Parece-lhe uma boa ideia?
Obviamente que sim, tudo o que seja realmente importante para uma rápida adaptação do jogador, mais depressa ele vai estar focado nas tarefas importantes. É sem dúvida uma mais-valia, principalmente no momento em que observamos uma enorme emigração dos jogadores nacionais.
O SJPF está também a criar um cheque-formação para que os jogadores possam frequentar determinados cursos. Pode ser algo apelativo para os jogadores?
Em alguns níveis considero que possa ser bastante apelativo, principalmente para aqueles que estão interessados, mas que infelizmente têm ou passem por maiores dificuldades financeiras. Se assim for pode-se concluir que os custos estão na base da decisão de não estudar, caso contrário o problema permanece e o caminho de resolução não é por aí.
Um jogador com formação académica e até mesmo superior torna-se um melhor jogador?
Acho que não tem uma influência directa, contudo além de me ter fornecido um plano B na minha vida, este percurso fez-me valorizar questões como o trabalho, empenho, persistência, determinação, compromisso, que de facto são valores que se foram solidificando e que contribuem para nossa profissão.
Quando acabar a carreira pensa continuar ligado ao futebol ou enveredar pela área na qual se formou?
É uma questão à qual não consigo responder. No entanto sei claramente que pretendo aproveitar ao máximo as condições que o futebol proporciona e posteriormente equacionar as oportunidades e tentar tomar as melhores decisões para o meu futuro, mas posso adiantar que são duas áreas bastante interligadas.
É visto pelos seus colegas como um exemplo? Dá-lhes conselhos para não abandonarem os estudos?
Durante todo o meu percurso fui visto como um caso real do que é esta combinação Futebol-Estudos, e daí presumo que seja um exemplo, apesar de sentir a irrelevância que esta situação tem para muitos (sinto que estes devem pensar: mas que contributo têm os estudos na minha vida se eu vou ser o próximo Cristiano Ronaldo e vou ganhar muito dinheiro?). Sempre lhes digo para recomeçarem ou não abandonarem os estudos mas é uma tarefa muito difícil, há muita passividade no meio.
Abandonar os estudos precocemente é uma das pragas de quem quer ser futebolista profissional?
Sem dúvida. Definitivamente porque são mal orientados desde muito novos, há muitos jogadores, atenção! com legitimidade, a querer chegar a um nível alto, mas poucos o vão conseguir, e deixar de estudar é desperdiçar uma ferramenta que será útil no futuro, seja para aqueles que consigam ou para aqueles que nunca o vão conseguir.