Quanto custa ser futebolista?

Quanto custa ser futebolista?

2016-12-21

Coordenador do Gabinete de Educação e Formação do SJPF alerta para a curta duração da carreira de jogador.

"- O que é que queres ser quando fores grande?

- Futebolista!

Este é um diálogo muito frequente nos mais diversos contextos formais e informais em Portugal. A força mediática do futebol, o efeito modelar dos jogadores ou o prestígio conferido aos futebolistas são de tal dimensão e impacto que é natural que as crianças e jovens preencham os seus sonhos com o exercício desta actividade.

Na gestão estratégica, as grandes decisões sobre as acções futuras são tomadas avaliando a relação entre as oportunidades e os riscos que determinado investimento implica. Na mesma lógica, a carreira profissional de qualquer indivíduo, até por se tratar da sua própria vida e do sentido que lhe pode ser conferido, exige que se observe com atenção esta mesma relação e o seu equilíbrio.

Imaginemos a seguinte situação: o que faria um apostador (legal!) se, para determinado jogo, a odd associada à vitória de uma das equipas fosse tão alta que o retorno fosse praticamente impossível? Provavelmente não apostaria, ou apostaria uma quantidade muito baixa. A oportunidade é escassa e o risco elevado.

E se a esta situação juntássemos ainda a possibilidade de, em caso de fracasso, o apostador ter de efectuar um pagamento extra em forma de castigo por ter falhado? Então estaremos de acordo que não haveria sequer a mínima hipótese de ser feita a aposta.

Esta última é a realidade de muitos jovens que estão neste preciso momento a decidir ser futebolistas com 14, 15 ou 16 anos, deixando para trás os estudos. Estão a apostar tudo numa carreira cuja odd é demasiado alta e ignorando a possibilidade de, quando terminarem a sua carreira futebolística, com maior ou menor sucesso, terem uma alternativa válida que não os leve a um beco sem saída, ou seja, o tal castigo por terem falhado a aposta.

Naturalmente, não está em causa a possibilidade, motivação e interesse associado ao exercício da carreira de futebolista a um nível competitivo razoável. Está em causa sim, a existência de uma carreira profissional que é, efectivamente, muito mais longa que o tempo dedicado à carreira de futebolista. Por esse facto, parece-nos excessivamente arriscado que um qualquer jovem, por mais talentoso que seja ou pareça, aposte numa carreira de futebolista (que é de curta duração e desgaste rápido) sem considerar, simultaneamente, a necessidade de ir adquirindo – a utilização do verbo no gerúndio não é uma opção de estilo! - qualificação escolar ou profissional (e que permitirá o desempenho de actividades profissionais de longa duração).

Em Portugal, a esperança média de vida é de cerca de 78 anos nos homens e de 81 anos nas mulheres, enquanto a idade média da reforma é de cerca de 66 anos. Se considerarmos que, em média, um jogador profissional de futebol encerra a sua actividade como futebolista aos 35 anos, após uma média de 15/17 anos como futebolista profissional, restar-lhe-ão ainda cerca de 43 anos de vida e 31 de actividade profissional. É o dobro do tempo dedicado à carreira de futebolista e só pouquíssimos futebolistas, muito mais a excepção do que a regra, terão adquirido, enquanto jogadores, um volume económico que lhes permita e à sua família um fôlego financeiro duradouro.  

Cabe às diferentes instituições que enquadram a actividade desportiva dos seus jogadores a estimulação da percepção da carreira profissional como um trajecto de maior duração do que a delimitação temporal a que está sujeita a carreira de futebolista. Definitivamente, a gestão da carreira feita pelos diferentes agentes desportivos associados à sua actividade deve considerar como premissa esse aspecto, motivando e criando as condições necessárias para que o jogador possa desenvolver uma carreira dual que lhe permita afrontar com mais e melhores ferramentas a transição profissional que, inevitavelmente, ocorrerá de forma prematura face à idade activa em que se encontram.

A este respeito, tome-se por exemplo a boa prática recentemente levada a cabo na Noruega, onde o Sindicato local assinou um protocolo com os clubes que visa a integração nos contratos laborais de condições para a realização de formação por parte dos jogadores ao longo do seu vínculo com estes.

Contudo, mais importante que todo o apoio, normativo ou facultativo, que seja fornecido pelas instituições e agentes que dão enquadramento à actividade do futebolista, é que o próprio jogador reconheça a relevância de se formar atempadamente. As competências que um jogador de futebol desenvolve ao longo da sua carreira como futebolista são muito valiosas e valorizadas no tecido laboral (espírito de equipa, liderança, gestão de conflitos, resistência à pressão, …), podendo ser exponenciadas se acompanhadas da necessária certificação e qualificação. Juntando ambas, qualquer jogador será, sem sombra de dúvida, um recurso humano que nenhuma empresa ou organização quererá desperdiçar. 

É pelo exposto que, do nosso ponto de vista, a resposta à pergunta “o que é que queres ser quando fores grande?” deveria ser sempre “primeiro quero ser futebolista, e depois quero ser o que eu quiser!”.